Desde os tempos heróicos em que foi um dos sinais da transição do tradicional sistema de trocas praticado pelos clãs para as primeiras formas de urbanização, até aos tempos actuais, em que acompanha a civilização industrial ocidental e o seu corolário, o bem-estar material dos agregados familiares, o crédito ao consumo tem estado no centro das preocupações da sociedade. Daí a sua importância na história económica e social, e também o seu papel no desenvolvimento das ideias. E, curiosamente, onde deveria existir concomitância entre a teoria e a prática, este assunto deu origem a uma controvérsia milenar. Parece existir uma espécie de esquizofrenia social que, por um lado, aparenta aceitar as práticas indispensáveis à vida colectiva e que, por outro, as condena em nome de ideais filosóficos. É difícil encontrar assunto mais enraizado e mais largamente aceite do que este preconceito.
Foi há ainda poucos anos que se começou a verificar um lento processo de legitimação, com discussões públicas organizadas em torno da preparação das leis destinadas a regular o sector. Este processo teve início nos Estados Unidos, onde, graças à mobilização de todas as partes interessadas, surgiram ideias, argumentos, objecções e contestações sobre um fundo de investigação universitária particularmente desenvolvida, assim conduzindo a legitimação ao seu termo. Isto não significa que não tenham existido problemas, mas sim que a sociedade norte-americana os tratou de uma forma objectiva, liberta do complexo de culpa que ainda dita as posições no resto do mundo.
A experiência norte-americana é essencial na história do crédito ao consumo. Das máquinas de costura da frontier à omnipresença dos crédit-bureaux, dos loan sharks aos abusos da falência pessoal, da invenção do hirepurchase ao advento dos cartões de crédito, não existe melhor referência do que este imenso e multifacetado mercado. Para se ter disso uma noção mais fiel, basta observar a forma como os profissionais de crédito europeus recorrem periodicamente a fontes nos Estados Unidos e a forma como os diversos detractores do crédito, também eles europeus, utilizam o que consideram ser excessos do mercado para criarem uma imagem contrária.
O crédito ao consumo nos Estados Unidos é, assim, tanto uma inspiração no que respeita aos serviços que oferece como um espantalho no domínio do consumismo. Esta imagem dupla representa a última encarnação dos argumentos ideológicos que desde sempre têm toldado a realidade.
Cada passo significativo na história do crédito e, em particular, do crédito ao consumo, é dado em relação a um centro de progresso económico. O que era verdade para o Código de Hamurabi também o era para os registos eclesiásticos da Catalunha visigótica, para as disposições escolásticas de Santo Antonino de Florença ou para a luta de Bentham contra os tectos fixos impostos à usura – e continua a ser verdade nos dias de hoje para a legitimação social que caracteriza actualmente os Estados Unidos.
É óbvio que as técnicas e os produtos evoluíram consideravelmente, e com maiores celeridade e radicalidade nos Estados Unidos do que no resto do mundo. Durante séculos, o crédito ao consumo resumiu-se a uma espécie de transposição: destaca-se a ideia de necessidade, de passar por cima das dificuldades, de as transpor. O mercado, sendo oficialmente mais ou menos obscuro, revelou-se portanto pleno de abusos (foi Bentham quem sublinhou o «portanto»). Disso resultou o duplo fracasso do sistema dos penhoristas em Inglaterra, com o seu conceito de «salva-vidas» social, e do montepio francês, com o seu princípio de caridade.
Em contraste com esta consolidação do passado, os Estados Unidos apresentam uma construção do futuro, equipando os lares por meio das vendas a prestações. Passou-se da necessidade de transpor uma dificuldade orçamental momentânea para o financiamento de objectos que assegurassem conforto e estatuto social. O automóvel é o melhor exemplo desta mudança de atitude. O crédito ao consumo tornou-se então o negócio dos vendedores de material, dos construtores ou dos distribuidores que, em termos de intervenientes no mercado e na gíria da profissão, se designam por «cativos» (dependentes de um construtor, geralmente da indústria automóvel) e por agentes privados (dependentes de um distribuidor, geralmente um grande armazém). O que antigamente estava reservado para épocas de maiores dificuldades financeiras da família foi-se tornando progressivamente numa forma racional de compra de bens de consumo, com base no desenvolvimento do salário mensal: a boa gestão do rendimento familiar passa pelo equilíbrio entre o salário mensal e a «mensalizaçào», isto é, o pagamento mediante prestações mensais, das aquisições mais importantes. O antigo modelo social de aprovisionamento familiar através de um processo sucessório (por herança, portanto) foi substituído pelo da aquisição pessoal. Como corolário, o crédito banalizou-se entre os jovens casais, justamente aqueles que se encontram em plena fase de aprovisionamento.